Nihil Sibi
O Poeta é uma fonte:
Nada reserva para a sua sede;
Canta também a dar-se,
E não dorme, nem pára.
À beleza
Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.
Cântico de inteligência
Não destruas!
Toda a fúria é maldade.
Ouve, que te não minto:
À tua volta a vida é como um cinto
De castidade.
Constrói o mundo!
A sinfonia tem de ser inteira!
Junta o teu canto à melodia!
Não deixes que uma nuvem de poeira
Tolde a luz que te guia!
Dura!
Existe humanamente, e sê feliz!
Céu que não possas ver com olhos teus,
Deixa-o a Deus
-A ideia que tiveste e te não quis.
Majestade
Passa um rei - é o Poeta
Não pela força de mandar,
Mas pela graça mágica e secreta
De rimar.
O ceptro, a pena - a lançadeira cega
Do seu tear de versos.
O manto, a pele - arminho onde se pega
A lama dos caminhos mais diversos.
Um grande soberano
No seu triste destino
De ser um monstro humano
Por direito divino.
Miguel Torga
“Nihil Sibi”
Tito
Colaço
XXI _ XII
_ MMXIV
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