Nunquam cessare!
Nunquam cessare!
O principal defeito
da vida é ela estar sempre por completar, haver sempre algo a prolongar.
Quem, todavia,
quotidianamente der à própria vida "os últimos retoques" nunca se
queixará de falta de tempo, em contrapartida, é da falta de tempo que provém o
temor e o desejo do futuro, o que só serve para corroer a alma.
Não há mais
miserável situação do que vir a esta vida sem se saber qual o rumo a seguir
nela, o espírito inquieto debate-se com o inelutável receio de saber quanto e
como ainda nos resta para viver.
Qual o modo de
escapar a uma tal ansiedade?
Há um apenas: que a
nossa vida não se projecte para o futuro, mas se concentre em si mesma.
Só sente ansiedade
pelo futuro aquele cujo presente é vazio.
Quando eu tiver
pago tudo quanto devo a mim mesmo, quando o meu espírito, em perfeito
equilíbrio, souber que me é indiferente viver um dia ou viver um século, então
poderei olhar sobranceiramente todos os dias, todos os acontecimentos que me
sobrevierem e pensar sorridentemente na longa passagem do tempo!
Que espécie de
perturbação nos poderá causar a variedade e instabilidade da vida humana se nós
estivermos firmes perante a instabilidade?
Apressa-te a viver,
caro Lucílio, imagina que cada dia é uma vida completa.
Quem formou assim o seu carácter, quem quotidianamente viveu uma vida completa, pode gozar de segurança, para quem vive de esperanças, pelo contrário, mesmo o dia seguinte lhe escapa, e depois vem a avidez de viver e o medo de morrer, medo desgraçado, e que mais não faz do que desgraçar tudo.
(...)
Quando receamos
algum mal, o próprio facto de o recearmos atormenta-nos enquanto o aguardamos:
teme-se vir a sofrer alguma coisa e sofre-se com o medo que se sente!
Tal como nas
doenças físicas há certos sintomas que pressagiam a moléstia, incapacidade de
movimento, lassidão completa mesmo quando se não faz nenhum esforço, sonolência,
calafrios por todo o corpo, também um espírito débil se sente abalado, mesmo
antes de qualquer mal se abater sobre ele: como que adivinha o mal futuro, e
deixa-se vencer antes do tempo.
Há coisa mais insensata
do que nos angustiarmos com o futuro em vez de deixarmos chegar a hora da
aflição, e atrairmos sobre nós todo um cúmulo de tormentos?
Quando não é
possível livrarmo-nos por completo da angústia, pelo menos adiemo-la tanto
quanto pudermos. Queres ver como é verdade que ninguém deve atormentar-se com o
futuro?
Imagina um homem a quem tenha sido dito que depois dos cinquenta anos será submetido a graves suplícios: ele permanece imperturbável enquanto não passa a metade desse espaço de tempo, altura em que começa a aproximar-se da angústia prometida para a segunda metade da sua vida.
Imagina um homem a quem tenha sido dito que depois dos cinquenta anos será submetido a graves suplícios: ele permanece imperturbável enquanto não passa a metade desse espaço de tempo, altura em que começa a aproximar-se da angústia prometida para a segunda metade da sua vida.
Por um processo semelhante sucede
também que certos espíritos doentes sempre em busca de motivos para sofrer se
deixam tomar de tristeza por factos já remotos e esquecidos.
A verdade é que nem
o passado nem o futuro estão presentes, pelo que não podemos sentir qualquer
deles.
Ora a dor somente
pode resultar de algo que se sente!
Séneca
“Cartas a Lucílio”
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